Ayrton
Senna da Silva, um dos ícones intemporais do desporto, partiu há 20 anos…Lembro-me
como se fosse hoje…
Estamos
a 1 de Maio de 1994, domingo, circuito de Imola em São Marino. O sol radiante
que se faz sentir encobre um fim-de-semana negro que se adensa.
Na
sexta-feira Rubinho Barrichelo sobreviveu milagrosamente a um estrondoso voo a
mais de 225 km/h contra um muro que o deixou temporariamente inconsciente e com
um braço e o nariz fracturados. Menos sorte teve ontem Roland Ratzenberger, o
piloto austríaco que apesar dos seus 34 anos fazia apenas o seu segundo Grande
Prémio (GP), sofreu um aparatoso acidente, embatendo contra uma parede de
cimento a cerca de 308 km/hora após ter falhado a curva Villeneuve. As múltiplas
fracturas no crânio e pescoço ditaram a sua morte prematura.
No
briefing da manhã, um Ayrton Senna de semblante carregado, secundado por outros
conhecidos pilotos, faz duras críticas às condições de segurança do traçado, o
que terá irritado alguns comissários…Ainda assim ocupa o seu lugar no topo da
grelha de partida para o seu 162º GP. Senna após duas corridas sem pontuar está pressionado pela vantagem de 20 pontos de Michael Schumacher ao volante de
um Benetton-Ford.
O
Williams-Renault de Senna arranca forte com o Benetton de Schumacher logo atrás.
O início da corrida é marcado pelo embate violento do Lotus de Pedro Lamy no Benetton-Ford
de JJ Letho que não conseguiu arrancar. Os destroços na pista levam à entrada
do Pace Car, ainda assim a corrida não foi interrompida.
Senna
faz a sua sexta passagem na meta, Schumacher esta perto. O brasileiro acelera, tenta
ganhar vantagem para o germânico. Após uma chicane mais lenta, Senna aproxima-se
da temível curva de Tamburello, onde Piquet e Berger já haviam embatido com
gravidade em anos anteriores. A realização mostra-nos a frente da corrida
através da câmara de Schumacher...Senna perde o controlo e segue em frente na
curva…Schumacher passa para o comando mas algo se passa com Ayrton Senna…O
embate foi muito violento, não há sinais de travagem…O brasileiro terá embatido
a mais de 300 km/h contro um colossal muro de betão…A imagem foca-nos o
Williams-Renault severamente danificado, Senna permanece imóvel no cockpit…Algo
se passa de muito grave! As equipas de socorro demoram a chegar, a linha das
boxes está longe…Esperem, há um movimento de cabeça de Senna, tenhamos
esperança…Terá sido um mero reflexo?!
Senna
não sai do bólide, chega finalmente a equipa médica…Estão a retirar Senna…Porra,
contínua imóvel! As imagens chegam-nas via aérea por helicóptero, muita
preocupação e movimento no local, muita gente à volta de Senna, o brasileiro
está deitado no asfalto. A corrida está suspensa, os nossos corações também!
Os
minutos passam, a tensão aumenta! O helicóptero médico chega ao local, Senna
vai ser transportado para o Hospital Maggiore em Bolonha…O brasileiro está a
lutar pela vida. As sucessivas repetições do acidente são assustadoras, como
foi possível!
A
corrida é retomada sem o brasileiro, Schumacher sem rival à altura vence o
terceiro Grande Prémio consecutivo.
São
18 horas e 40 minutos, hora local. A Dra. Maria Teresa Fiandri anuncia a morte
de Ayrton Senna aos 34 anos de idade. Hora oficial da morte contudo registada às
14 horas e 17 minutos, o que significa que Senna terá tido morte quase
imediata.
O
mundo do Desporto e o Mundo em geral estão incrédulos, o momento é de profundo
pesar!
A
causa da morte, ditada por autópsia, aponta para um pedaço de suspensão do
carro que terá perfurado o capacete e o crânio do piloto, provocando profundas
lesões e extensas hemorragias.
Na
pista os pilotos só foram informados do estado de saúde de Senna após a
cerimónia no pódio. Schumacher festejou, sem grande alaridos é certo mas
festejou para pouco depois cair num profundo e doloroso choro. Flavio Briatore,
o patrão da Benetton-Ford, ,dá-lhe a triste notícia. O alemão está inconsolável, uma
imagem por muitos não conhecida, preferindo julgar injustamente o piloto
alemão.
Schumacher
venceu, num dia em que o Grande Prémio nunca devia ter tido lugar.
Para
a História fica o legado de um piloto extraordinariamente dotado, determinado, humano ainda que
por vezes temperamental, profundamente carismático, apontado por muitos como o
melhor de sempre.
A
trágica morte de Senna também teve o condão de provocar uma profunda discussão
em torno das condições de segurança e protecção das pistas e dos próprios carros
de Fórmula 1.
Vários
traçados sofreram alterações com Ímola à cabeça. Os bólides, rápidos e
traiçoeiros, viram as suas condições de estabilidade e defesa da integridade dos
pilotos em muito reforçada.
Para mim falar em Ayrton
Senna é falar nos anos dourados da Fórmula 1 e da minha própria relação com o
desporto.
Precocemente, tendo 2 ou 3
anos de idade, ficava verdadeiramente siderado a ver as potentes máquinas
acelerarem no asfalto. Com 4 anos, contam-me, ainda me enrolava a falar mas
sabia pronunciar o nome de todos os pilotos para espanto geral dos adultos.
As corridas eram acompanhadas
de uma ponta à outra por este pequeno mas muito atento espectador. Não me limitava
a seguir a corrida pela televisão, reproduzia na minha colecção de carrinhos todas
as incidências que iam tendo lugar, nem me faltava um pódio e as equipas de
pit-stop. A ordem na grelha de partida, ultrapassagens e acidentes eram
obedecidos religiosamente.
Fã confesso de Alan Prost, o
mítico “Professor”, tive a sorte de crescer a ver desfilar alguns dos monstros
sagrados da modalidade rainha do desporto automóvel. Senna, Prost, Piquet,
Mansell, Patrese, Alboreto, Berger, Arnoux, foram alguns dos pilotos que
marcaram a minha infância e os primeiros anos da minha adolescência.
A 01 de Maio de 1994, aos 13
anos, seguia como sempre pela RTP mais um Grande Prémio, torcendo por Michael
Schumacher, o meu favorito após a saída do “Professor”. A época estava a correr
muito bem. O híper favorito Senna, no potente Williams-Renault, não havia
pontuado nas duas primeiras corridas, Schumi seguia isolado com 20 pontos.
Quando vi Senna sair de
pista em Ímola por momentos, enquanto adepto confesso de Schumacher, parecia
ter razões para festejar mas foram segundos de possível alegria, depressa
tornados em profunda dor e preocupação com o que se estava a passar com Senna.
O embate, não restavam dúvidas, havia sido muito grave.
De repente uma pequena
réstia de esperança, um sinal de alívio, as imagens mostravam um ligeiro
movimento de cabeça por parte de Senna, o comentador assinalava com felicidade
o momento…Infelizmente, como é sabido, não terá sido mais do que um último
reflexo, um último suspiro do campeão.
Senti um peso profundo no
coração. Recordo-me do Williams destruído e da imensa poça de sangue que ficou
no local. Senna que sempre me havia habituado a ver como um rival, era afinal
alguém próximo. Perdia um amigo, um familiar, um vazio ficava irremediavelmente
por ocupar. Senna era efectivamente um rival mas alguém por quem nutria um
grande respeito e admiração, não só pelo seu talento mas também pela sua
dimensão humana.
Agradeço por ter tido a
sorte de assistir a uma época do desporto automóvel em que o talento dos
pilotos prevalecia face à capacidade das máquinas. A rivalidade entre pilotos
era feroz mas sempre com grande respeito e mútua admiração. O espelho desta
realidade era a relação entre Senna e Prost, talvez o mais épico duelo na
história da Fórmula 1.
No dia da corrida Senna encontrou-se
com o seu grande rival. Com uma amigável palmada nas costas confessava-lhe “Prost,
você faz falta”…Horas depois o francês chorava nas boxes a morte do rival mas
também seu amigo. Prost foi aliás um dos pilotos que carregou a urna no funeral
de Senna, ladeado por outros grande pilotos como Emerson Fittipaldi, Damon
Hill, Gerhard Berger, Christian Fittipaldi e Jackie Stewart. O português Pedro
Lamy, Rubens Barrichelo, Raul Boesel, Roberto Pupo Moreno, Johnny Herbert,
Derek Warwick e Thierry Boutsen foram os outros pilotos que tiveram a honra de
levar Senna para a sua última morada.
Passados 20 anos do fatídico
acidente deixa a minha sentida homenagem a Ayrton Senna, ao homem e à lenda,
aproveitando também para enviar o maior abraço de força a Michael Schumacher,
outro grande campeão que continua a lutar pela vida.
Sem comentários:
Enviar um comentário