No dia em que se anuncia que no novo pacote de medidas de “brutalidade” a
apresentar à Troika deverá constar o inarrável aumento da idade da reforma para
os 67 anos, recordei-me de uma extraordinária citação do escritor angolano
Ondjaki no livro “Os Transparentes”, uma caricatura ao actual panorama do seu
país mas como o próprio afirma “a ser recebido em qualquer parte do Mundo como
uma pequena reflexão sobre a afectividade humana e a desigualdade social”:
“Transparentes somos todos nós.
Qualquer cidadão, hoje em dia, é um transparente. Nós somos convocados para
alguns momentos eleitorais e aí somos úteis e temos corpo e depois somos
ignorados por quatro anos até às próximas eleições. Os transparentes são os
cidadãos do mundo…”
Limitando-nos à alegada proposta do aumento da idade da reforma para os 67,
por diversas vezes já circulada pelos media e bastidores (uma tentativa de
testar a reacção popular? Ou uma preparação para o choque não ser tão grande?),
devemos considera-la como a morte anunciada do paradigma, já por si pernicioso,
do “trabalhamos para viver” para dar lugar, sem rodeios, “ao viver para
trabalhar”.
Numa análise fria, puramente abstracta, poderíamos anuir em que numa
sociedade em que a renovação de gerações não se concretiza faria algum sentido
impor àqueles que trabalham que permanecessem mais anos no activo como forma de
garantir a subsistência da Segurança Social e da própria Economia. No entanto,
esta perversa lógica de números apenas é exequível quando a oferta de emprego
suplanta a procura, não tendo qualquer fundamento, a menos que a idiotice
conte, quando não há lugares disponíveis para fazer face a este protelar da
idade activa.
Os mais jovens agoniam na busca pelo primeiro trabalho, na janela de
oportunidade que durante toda uma vida lhes foi prometida e para o qual
estudaram e se prepararam.
Os mais velhos, aqueles que se dedicaram durante anos a uma empresa, a uma
carreira e agora se vêm confrontados com o desemprego, fruto de uma economia
implacável ditada por líderes medíocres e interesses obscuros, que expectativa
de emprego poderão ter? O mercado considera-os velhos
para trabalhar, ultrapassados mas a idade da reforma é uma meta cada vez mais
distante. Recorrendo a uma alegoria, é a busca do prometido Oásis num deserto
que parece não ter fim.
Na Velha Europa o Amanhã anuncia-se desprovido de quaisquer sonhos e
esperança. Joseph Halevi, investigador da Universidade de Sidney e colunista do
diário “Il Manifesto” ilustrou-o de forma perfeita ao prever uma “Idade Média
capitalista”, uma nova era de obscurantismo.
Vale a pena pensar nisto...
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