sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Lance Armstrong - A Lenda Cai por Terra


"Dopei-me porque queria ganhar fosse como fosse", declarou um sério e de rosto fechado Lance Armstrong na 1ª parte da entrevista exclusiva a Oprah. A lenda cai assim por terra.

Lance Armstrong assumiu ter tomado EPO (eritropoietina, uma substância que aumenta o nível de glóbulos vermelhos no sangue, elevando a resistência ao exercício físico), bem como o recurso a transfusões de sangue e testosterona.

Confesso que fui daqueles que manteve a crença em Armstrong até ao fim. Quis acreditar na plena superação de um ser humano extraordinário que, contra todas a probabilidades, venceu a própria morte, vindo a tornar-se num atleta de eleição.

Uma lenda com direito a lugar próprio no Olimpo dos escolhidos, ao lado de nomes como Muhammad Ali, Michael Jordan, Usain Bolt, Michael Phelps, Roger Federer, Pelé, Michael Schumacher.

 

Uma história de coragem, ousadia e determinação para ser contada, ao longo de gerações, de pais para filhos, de avôs para netos.

Quis acreditar que as constantes acusações de doping que lhe eram imputadas não eram mais que mesquinhos e cobardes ataques difamatórios, fruto da inveja de alguns e de obscuros interesses corporativos.

Quando Armstrong decidiu não refutar as acusações da Agência Norte-Americana Antidopagem (USADA), o que lhe valeu a retirada de todos os títulos a partir de 1998 (incluindo as 7 vitórias no Tour de France), não vi nesse comportamento um sinal de aceitação mas somente um gesto de cansaço e/ou de indiferença após anos e anos de tantas batalhas numa cruel, e nunca antes vista, “caça às bruxas”.  

A desilusão que todos nós sentimos neste momento, desportistas ou não, é algo que nos acompanhará para sempre. O mito da superação, o espírito extraordinário de um guerreiro pela vida, um exemplo que inspirou tantos outros, o legado que deixou na Livestrong, a Fundação que luta por todos aqueles que sofrem com o terrível flagelo que é o cancro.

Irónico é o facto de estar a ver o filme Gladiador enquanto escrevo esta crónica.

Duas perguntas me restam:

1. Quem seria Lance Armstrong sem o recurso a substâncias / métodos dopantes?

Sem dúvida que Lance tinha todos os predicados para ser um excelente atleta, quer a nível físico, quer mental, desde logo pelo seu indomável espírito. Porém, e apesar dos seus melhores resultados só terem surgido em 1998 depois do seu notável regresso, não nos esqueçamos que Lance havia sido Campeão Americano e Mundial em 1993 (isto apesar de, como declara, ter recorrido desde cedo a alguns expedientes como a cortisona. O EPO viria mais tarde).

Questionado sobre Oprah se seria humanamente possível vencer consecutivamente 7 Voltas à França, Lance afirma simplesmente “Na minha opinião não. Não naquela geração (…) não inventei a cultura mas não tentei pará-la”. Elucidativo!

2. O que resta do homem?

"A culpa é minha. É uma grande mentira que repeti. A história era tão perfeita e durou tanto tempo... A recuperação da doença (cancro), o recorde de vitórias na Volta à França, o casamento notável...", admite Lance, deslumbrado e, de certa forma ultrapassado, pela fama e aura de perfeição que erigiram à sua volta.

Lance tem a sua imagem irremediavelmente manchada. O melhor ao qual pode aspirar será por certo recuperar a sua dignidade enquanto homem, esperando que o tempo sare as muitas feridas abertas, num melancólico mas suave esquecimento.

A tarefa afigura-se bem complicada, quando é certo  que passará a lidar com constantes batalhas judiciais promovidas por aqueles que o condenavam, passando eles próprios, por o fazerem, à condição de réus na Praça Pública. Será alvo de investigação e perseguição pelas entidades desportivas e governativas e por certo pela longa lista de patrocinadores que sempre o apoiaram. O carcere está longe de ser um cenário fora de hipótese.

Numa espécie de redenção Armstrong declarou que caso a USADA inicie um processo de investigação ao mundo do ciclismo, assolado nos últimos anos com vários escândalos de doping, ele será "o primeiro a colaborar".


Hoje será emitida a 2ª parte da entrevista. Por mim, apesar de haver ainda muito a contar (nomeadamente até que ponto ia o envolvimento de Lance num dos maiores esquemas de dopagem da História do Desporto ou a sua capacidade de influenciar outros ciclistas) o dossier está no essencial encerrado. O ciclismo, esse, merece um novo campeão.

1 comentário:

  1. Depois de ler este artigo subscrevo inteiramente as tuas palavras "A desilusão que todos nós sentimos neste momento, desportistas ou não, é algo que nos acompanhará para sempre. O mito da superação, o espírito extraordinário de um guerreiro pela vida, um exemplo que inspirou tantos outros, o legado que deixou na Livestrong, a Fundação que luta por todos aqueles que sofrem com o terrível flagelo que é o cancro."

    Apesar de não ser grande fã desta modalidade, ou do desporto em geral, via Lance Armstrong não só como um campeão mas como um herói na superação da luta contra o cancro (causa que me diz tanto).

    Perante este factos cai por terra não só a lenda mas também o homem que tanto admirava como ser humano.

    Em tempos de crise a humanidade revela também o seu lado mais mesquinho e preverso. Já não há heróis nos quais nos possamos inspirar o que considero ainda mais triste que a conjuntura que vivemos!

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